terça-feira, fevereiro 05, 2008

Excedentes

Abre um olho devagar e depois o outro. O sol já ia alto e à algum tempo que lhe enche a cara.

O despertar esse é tímido lento e demorado. Há muito que deixou de ser violento. Nada à espera, que dependa do bater do ponteiro dos segundos ou batidas do coração. Quando nada há a fazer, desperdiçar trata-se duma arte, e que nos impede de atingir a loucura, a insanidade mascarando-a sob um véu de tédio.

Tal como ontem, e antes de ontem e daquele dia que já vai longe, muito longe, perdido no manto do esquecimento, levanta-se da sua sepultura, um caixote que foi feito para transportar luxo mas que acabou a esconder a miséria humana e meticulosamente arruma o seu cobertor, um pedaço de pano velho e esbatido, uma mera imagem daquilo que outrora foi tal como o ser humano que o arrumava.

A força do tempo vergara-o, não se lembrava se a vida se tinha tornado assim ou se fora esta a sua única realidade e a vida da qual se lembrava ocasionalmente não era mais que do uma imaginação vezes demais trazida ao plano da realidade, de tal forma que já a confundia com a vida real, que de real tinha tudo mas que classificar de vida poderia ser arrojado demais, presunçoso até.

Mas não era loucura nem delírio... Era... apenas um excedente, excedente de uma sociedade, evoluída dizem, onde a validade de uma pessoa é medida em gráficos de produtividade e objectivos e a estabilidade em reduções de custos. Trata-se de um mundo em forma de cinzeiro em que as nossas vidas são vezes demais cigarro sem filtro que ardem depressa demais ou antes do tempo.

Um comentário:

Catarina M disse...

BRUTAL!!!
É linda! Está brilhantemente escrita!!
É FABULOSA!!!
Juro que estou boquiaberta!

(um dia destes limamos as arestas!)
Beijão